segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Pensando a rotina.



Um dia me cansei de ir trabalhar, não queria o encontro rotineiro com as minhas numerosas pilhas de processos todas organizadamente enfileiradas em minha mesa. Não queria sentar-me à frente do computador e pensar, estudar, uma maneira de construir uma defesa convincente para meu cliente, quando me sentia incapaz de tecer a minha própria. Foi quando quis ir até a margem da Baía do Guajará. Quis sentar-me à beira do rio e olhar para aquela água barrenta insistentemente, tentando vencer o escuro e reconhecer mais ali no fundo, onde não podia enxergar, algo que me causasse uma espantosa alegria.



Uma outra vez me cansei de ler livros de Direito. Não queria me encontrar com tantos doutrinadores todos falando sobre o mesmo assunto: como entender o nosso sistema jurídico e fazê-lo favorável e eficaz à sociedade. Cansei-me de forçar a mente a compreender uma sistemática de leis que foram escritas para perpetuar justiça e tantas vezes sangram incompetência.
Não quis.
Mas eu quis ler um conto. Ah como me enriquece. Decididamente não sei nada a respeito de vida por conhecer inúmeras leis, entre elas aquela que é um dos carros chefes da nossa belíssima Carta Magna, o art. 6º, que dita tantos direitos quanto os olhares que foquei em várias direções procurando-os. Todos me voltaram vazios.
Mas quem sabe ler sobre fadas e encantos em terras formosas e jardins verdejantes me faça ser mais crente em tudo isto quanto tenho obrigação de defender. Senão me tornar mais crente, ao menos serei alegre.



Certa vez enjoei de escrever petições iniciais, de procurar fundamentos legais, jurisprudências, doutrina e uma infinidade de filosofias que seguramente seriam bem mais úteis se saltassem das páginas dos meus livros espessos e pesados para um mundo que as conhece, mas não as possui, e como ele é carente delas! E como seria bom se elas pudessem além de despertar fascínio, alcançar-nos e tornarem-se reais em nós.
Entretanto, quis eu então escrever uma lira. Alguma que podia não rimar, podia até não ter as ricas palavras do vocabulário dos grandes escritores, podia até não fazer qualquer sentido, mas haveria de falar de vida. Não de uma vida qualquer, mas da minha vida. Não aquela que eu poderia ter se tivesse atentado para os conselhos dos famosos poetas que escrevem sobre viver. Mas por um instante quis escrever eu só, sobre a minha vida própria. Aquela que é totalmente atingível, e melhor, palpável por mim. Que não deixa de ser encantada e instigante por ter sido escrita pelas mãos de uma estudante que não era poeta, mas que de lira em lira, pelos corredores de uma mente ampla, brincava de ser.
Afinal estava eu escrevendo sobre a minha vida, e surpreendentemente fascinei-me. Ela sempre me pareceu como um mosaico de cores, que por mais complexo que pareça não deixa que se perca ente as várias cores palpitantes, aquela beleza que busquei.



Então uma outra vez não quis dormir, quis a insônia. Não para saltar da cama com os olhos acessos e desgastados pelo sono escondido no fundo deles, e novamente me pôr a correr na aurora do dia que se ergue. Mas sim para pensar em nada, e em tudo. Para me tranqüilizar, parar e ver que do meu mundo eu sou dono, do meu pensamento sou rei, sobre ele tenho controle e sabê-lo me alegra. Assim posso confiar que mesmo morando num mundo com tanta bagunça, tanta desordem, tanta inversão de tudo, é só eu emitir uma voz de ordem para que meu pensamento comece a fluir em direção à coisas boas e prazerosas para a minha alma. E por um momento eu vou estar só, com o silêncio e a insônia agora amiga, e o meu servo pensamento me põe sentada em meu trono de imaginação e o mundo se torna finalmente meu. O que seria de mim sem este servo fiel? Uma alma perdida entre tanta gente, em um mundo desconhecido e sombrio onde eu jamais poderia me encontrar.



UFA! Santo desabafo.
E pensar que daqui a alguns olhares, quando o desconforto da monotonia me entristecer, estarei sentindo falta daquilo que me cansa. Porque a plenitude da vida também está em fazer do necessário um amante amigo. No fim, é nesse caleidoscópio mágico, entre luzes apagadas e vibrantes, que podemos sentir a vibração do ar.
Thábata.

Um comentário:

Herbert Piedade disse...

Thabata,
Coração é terra de habitação de Deus. Ela é tão profunda e tão imprevisível, que só Ele para esquadradrinhá-la e traduzí-la. Mas, aqueles que usam o pouco de seu conhecimento do seu coração, têm uma terra onde Deus planta, sem medo de geada, calor forte ou outra intempérie do existir. Por isso, creio que em você tem muito do que Deus já plantou.
Muito bonito seu blog.
Parabéns!